Sobre certas coisas
Um dia as coisas todas convergiram e eu me vi ali, sentado no topo, no pico, sobre a maior montanha do mundo e ao mesmo tempo à beira do maior precipício.
E vi a maravilha que é a vida no vale lá embaixo.
Mas... como descer até lá? Meus pés eram de chumbo, minhas raízes estavam fincadas naquela montanha...
Arranjei cordas, as mais fortes, as mais resistentes, e me amarrei a elas; coloquei roupas especiais contra o frio e também um capacete super-resistente; enchi a mochila com as provisões para a descida; não esqueci do meu cilindro de oxigênio.
E a descida começou.
Um passo, pequeno, tímido, nervoso. Mais outro, um pouquinho mais confiante. Agora, um pequeno salto. Uma pedra rola.
E desaparece no abismo.
Interrompo a descida. Olho para o vale, azul, sereno. Vale a pena descer? O vale parece tão lindo, mas tão longe, longe, longe... e a descida, muito íngreme; e eu, tão despreparado...
Choro. Choro por sentir, no fundo da alma, que o vale é inacessível pra mim. Choro ao concluir que a descida é praticamente impossível; e se possível, é muito demorada, de modo que eu só conseguiria chegar ao vale no fim da vida e das forças, quando não poderia desfrutar mais das maravilhas do vale...
Não via outra saída, decidi voltar. Voltaria a ser o homem do pico da montanha. O último homem solitário. Homem lobo. Homem nuvem. Homem pó.
Enxugo os olhos. Olho o horizonte, sempre longe, longe...
Sinto uma mão no ombro. Olho surpreso. É ela. Nunca a tinha visto fora dos meus sonhos e devaneios,mas sabia que era ela. Tinha uma pele muito rosada, e estava com um vestido prata. E olhava o horizonte. Todo o seu ser exalava um aroma cor do céu, uma luz macia a envolvia inteira.
E olhava o horizonte, insistentemente.
Olhei também, buscando ver o que ela procurava. E ficamos assim, juntos, olhando a linha onde o céu tocava o chão, as árvores, as pessoas e todas as coisas, durante dias e dias...
Numa bela manhã de sol, ela fechou os olhos. Inspirou lentamente, numa inspiração que pareceu durar todos os séculos e conter muitas vidas. Abriu os braços e, como num passo de dança, levitou suavemente sobre o abismo. O sol provocava reflexos em sua roupa, sua pele, seus cabelos, e ela iluminava o mundo todo. Rodopiou diversas vezes, subiu, desceu, deu voltas e voltas na montanha.
E parou na minha frente.
E abriu os olhos.
Naquele momento, ela conheceu todo o meu ser.
"Vem!", sussurrou.
Pobre moça, não sabe que eu não sei voar?!
Mas ela insistiu. "Vem!" Mas eu estava muito amarrado, muito carregado. Ela, então, cortou elegantemente todas as cordas, me tirou a mochila, as roupas contra o frio, o cilindro de oxigênio, o capacete.
E disse: "Vem!"
Oh, moça! Eu tenho os pés de chumbo, não posso voar!
Ela insistiu: "Vem! É só fechar os olhos! Segura a minha mão."
Fechei, peguei na mão dela. O vento bateu no meu rosto, e eu me seti flutuar. Senti que rodopiava e brincava pelos céus ao lado dela. E me senti entre as nuvens e as estrelas.
Foi quando abri os olhos. E vi novamente o abismo.
Senti uma vertigem e comecei a despencar. Ela correu em meu socorro. E me segurou. Mas eu estava apavorado. Berrava deseperadamente: "Eu vou cair! Eu vou cair!"
Ela carregou-me com dificuldade até um lugar seguro. E eu a vi novamente. Estava cheia de marcas de dentes e unhas que, no desespero, usei para me segurar. Seu vestido estava todo rasgado, e ela chorava muito. E eu também chorei, chorei demais. Porque eu a tinha machucado. E aquelas marcas pareciam que iam ficar lá para sempre.
"Oh, menino! Você precisa aprender tantas coisas ainda!", dizia ela, consolando-me.
Foi o dia da promessa. Quando prometi ter mais coragem e segurança para voarmos juntos pelo mundo. E senti tanta força e segurança que os céus pareceram pequenos para os voos que alçaríamos.
E o vale? Não me preocupa mais. Pois hoje sei que basta alçar voo para alcançá-lo, e logo nós dois estaremos lá.
Embora eu saiba que não vamos ficar lá: há muitos vales no mundo a serem explorados.
E vi a maravilha que é a vida no vale lá embaixo.
Mas... como descer até lá? Meus pés eram de chumbo, minhas raízes estavam fincadas naquela montanha...
Arranjei cordas, as mais fortes, as mais resistentes, e me amarrei a elas; coloquei roupas especiais contra o frio e também um capacete super-resistente; enchi a mochila com as provisões para a descida; não esqueci do meu cilindro de oxigênio.
E a descida começou.
Um passo, pequeno, tímido, nervoso. Mais outro, um pouquinho mais confiante. Agora, um pequeno salto. Uma pedra rola.
E desaparece no abismo.
Interrompo a descida. Olho para o vale, azul, sereno. Vale a pena descer? O vale parece tão lindo, mas tão longe, longe, longe... e a descida, muito íngreme; e eu, tão despreparado...
Choro. Choro por sentir, no fundo da alma, que o vale é inacessível pra mim. Choro ao concluir que a descida é praticamente impossível; e se possível, é muito demorada, de modo que eu só conseguiria chegar ao vale no fim da vida e das forças, quando não poderia desfrutar mais das maravilhas do vale...
Não via outra saída, decidi voltar. Voltaria a ser o homem do pico da montanha. O último homem solitário. Homem lobo. Homem nuvem. Homem pó.
Enxugo os olhos. Olho o horizonte, sempre longe, longe...
Sinto uma mão no ombro. Olho surpreso. É ela. Nunca a tinha visto fora dos meus sonhos e devaneios,mas sabia que era ela. Tinha uma pele muito rosada, e estava com um vestido prata. E olhava o horizonte. Todo o seu ser exalava um aroma cor do céu, uma luz macia a envolvia inteira.
E olhava o horizonte, insistentemente.
Olhei também, buscando ver o que ela procurava. E ficamos assim, juntos, olhando a linha onde o céu tocava o chão, as árvores, as pessoas e todas as coisas, durante dias e dias...
Numa bela manhã de sol, ela fechou os olhos. Inspirou lentamente, numa inspiração que pareceu durar todos os séculos e conter muitas vidas. Abriu os braços e, como num passo de dança, levitou suavemente sobre o abismo. O sol provocava reflexos em sua roupa, sua pele, seus cabelos, e ela iluminava o mundo todo. Rodopiou diversas vezes, subiu, desceu, deu voltas e voltas na montanha.
E parou na minha frente.
E abriu os olhos.
Naquele momento, ela conheceu todo o meu ser.
"Vem!", sussurrou.
Pobre moça, não sabe que eu não sei voar?!
Mas ela insistiu. "Vem!" Mas eu estava muito amarrado, muito carregado. Ela, então, cortou elegantemente todas as cordas, me tirou a mochila, as roupas contra o frio, o cilindro de oxigênio, o capacete.
E disse: "Vem!"
Oh, moça! Eu tenho os pés de chumbo, não posso voar!
Ela insistiu: "Vem! É só fechar os olhos! Segura a minha mão."
Fechei, peguei na mão dela. O vento bateu no meu rosto, e eu me seti flutuar. Senti que rodopiava e brincava pelos céus ao lado dela. E me senti entre as nuvens e as estrelas.
Foi quando abri os olhos. E vi novamente o abismo.
Senti uma vertigem e comecei a despencar. Ela correu em meu socorro. E me segurou. Mas eu estava apavorado. Berrava deseperadamente: "Eu vou cair! Eu vou cair!"
Ela carregou-me com dificuldade até um lugar seguro. E eu a vi novamente. Estava cheia de marcas de dentes e unhas que, no desespero, usei para me segurar. Seu vestido estava todo rasgado, e ela chorava muito. E eu também chorei, chorei demais. Porque eu a tinha machucado. E aquelas marcas pareciam que iam ficar lá para sempre.
"Oh, menino! Você precisa aprender tantas coisas ainda!", dizia ela, consolando-me.
Foi o dia da promessa. Quando prometi ter mais coragem e segurança para voarmos juntos pelo mundo. E senti tanta força e segurança que os céus pareceram pequenos para os voos que alçaríamos.
E o vale? Não me preocupa mais. Pois hoje sei que basta alçar voo para alcançá-lo, e logo nós dois estaremos lá.
Embora eu saiba que não vamos ficar lá: há muitos vales no mundo a serem explorados.
Me olho no espelho e me vejo do avesso, o mesmo rosto que eu não conheço...
ResponderExcluirO rádio ligado, a chuva e o calor... as gotas me ferem mas não sinto dor...
Aqui onde as horas não passam, aqui onde o sol não me vê...
Aqui onde eu não moro, eu não existo sem você...